24/10/2013 16:07

REPORTAGEM ESPECIAL: Hospital São João de Deus caminha para fechar as portas

Governo do Estado, deputados, prefeito e vereadores dão as costas para a crise


Em junho, funcionários do Hospital São João de Deus realizaram manifestação alertando para o agravamento da crise

A grave crise financeira que praticamente inviabilizou o Hospital São João de Deus, fruto de um rombo de R$ 84 milhões provocado pelo ex-superintendente Ronan Pereira Lima e sua diretoria, tornou-se mais aguda nos últimos 30 dias. Em março do ano passado, ele foi demitido do cargo, deixando para traz uma crise que até agora se mostra sem solução, pois o hospital não consegue recursos para tapar o buraco financeiro.

Com 45 anos de existência, o Hospital São João de Deus é o maior do Centro-oeste mineiro, atendendo a 57 municípios. Depois que a crise veio a público, o que ocorreu em meados desse ano, o hospital reduziu seu atendimento para menos de 70% de sua capacidade e, hoje, não chega a 60%. Faltam medicamentos, materiais básicos e as demissões já estão ocorrendo desde setembro. Essa semana, houve demissão em massa, com desligamento de 39 servidores.

O clima entre médicos, enfermeiros e demais servidores da instituição é de tensão e medo. Tudo indica que o Hospital, se não houver uma efetiva participação do poder público, o que não tem ocorrido até agora, não conseguirá chegar ao final do ano, podendo fechar suas portas antes de dezembro. Esta é a previsão feita ao PAREDÃO por um membro do Sindicato que representa os trabalhadores da instituição, que pediu para não ser identificado. Segundo ele, a direção atual se nega a prestar maiores esclarecimentos aos servidores e a tensão aumenta a cada dia. Mais demissões ainda não ocorreram porque o hospital não tem dinheiro para pagar as rescisões contratuais.

A direção do Hospital São João de Deus confirma a queda significativa no atendimento hospitalar, especialmente os serviços de urgência e emergência. Os números apresentados pelo hospital mostram que em abril foram 5.198 atendimentos, caindo para 4.002 em maio e baixando para 3.581 em junho. Em agosto foram 2.377 atendimentos de urgência e emergência e em setembro este número teve um leve acréscimo, chegando a 2.466.  Isso significa que em relação a abril, os atendimentos no Hospital São João de Deus tiveram uma queda de 52,55%.

REUNIÕES VAZIAS

A participação das autoridades públicas no processo de recuperação do Hospital São João de Deus tem sido meramente política. Nenhuma medida efetiva para evitar que a unidade seja atingida pelo caos definitivo foi tomada até agora.

Em agosto, o prefeito Vladimir Azevedo (PSDB) assinou decreto pelo qual todo o Sistema de Saúde Público da cidade foi colocado em estado de emergência. A medida foi adotada em função do caos instalado na Secretaria de Saúde, agravado pela falência do São João de Deus. Em setembro, o Ministério Público, embora tardiamente, já que estava de posse de ama auditoria que confirmava a crítica situação do Hospital, decidiu pela intervenção administrativa na unidade. As duas medidas, até agora, efetivamente não mudaram o quadro. Ao contrário. Após a decretação do Estado de Emergência e a intervenção determinada pelo MP, o Hospital se vê em situação ainda mais complicada.

As lideranças políticas da cidade estão agindo muito mais atrás de ganhos políticos do que na busca real de soluções. Recentemente o deputado federal Jaime Martins (PSD) anunciou encontro com representantes da Caixa Econômica Federal, em Brasília. Segundo sua assessoria, o encontro serviu para a Caixa garantir a análise de um novo empréstimo de R$ 5 milhões ao Hospital. Porém, quase um mês depois, o assunto parece ter sido esquecido. O deputado Domingos Sávio (PSDB) pouco fala sobre o assunto e não se tem notícia de nenhuma atitude prática do tucano. Já o estadual  Fabiano Tolentino, que tão logo foi eleito correu para a base do governador Antônio Anastasia (PSDB) para ficar do lado do poder, é praticamente carta fora do baralho no processo.

O governo do Estado não se manifesta e o prefeito Vladimir Azevedo (PSDB) também é silêncio absoluto sobre o assunto.

A audiência pública realizada pela Câmara Municipal de Divinópolis para debater a crise foi um fiasco. Não se tirou nenhuma proposta definitiva e as autoridades presentes se limitaram aos discursos vazios. A própria Câmara tem sido completamente omissa em todos os sentidos e todos os vereadores evitam tomar frente em uma iniciativa real, já que a maioria não tem proposta e nem força política para atuar na questão.

Foto: Últimas Notícias
O professor Léo Santos debate a crise, durante encontro em Formiga

Resta  o Fórum Pró-Hospital São João de Deus, criado por um grupo de cidadãos realmente comprometidos com a ideia de salvar a instituição. O Fórum vem realizando encontros nas cidades da região, com seus integrantes usando recursos próprios, sem nenhum apoio oficial. O primeiro encontro aconteceu no último dia 16 no plenário da Câmara Municipal de  Formiga, com a participação de representantes de cidades da região como Candeias, Pimenta, Arcos, Córrego Fundo, Pains e Iguatama. Já nesta quarta-feira (23) o Fórum Pró-São João se reuniu em Bom Despacho.

O professor universitário especialista na disciplina em saúde pública, Leonardo Santos, é o idealizador do Fórum Pró-São João. Ele defende que a instituição passe a atuar 100% pelo SUS como única forma de evitar o colapso total. O professor encontra resistências e um dos contrários à ideia é o deputado Domingos Sávio, que até agora não apresentou nenhuma proposta concreta para salvar o São João. 

 

ROMBO DE R$ 84 MILHÕES: sem solução à vista

Até o fim da década de 1990, embora já enfrentasse inúmeras dificuldades, o Hospital  São João de Deus conseguia se equilibrar, contando especialmente com ajuda voluntária da população.  A partir de 2000, especialmente após a morte do então superintendente da  Fundação Geraldo Corrêa, que administra o hospital, Irmão Diamantino Ferreira, e com o vai e vem da economia, que afetou diretamente o sistema de saúde público de praticamente todo o país, as dificuldades começaram a se avolumar na instituição.

Após a morte de irmão Diamantino, a superintendência do Hospital foi assumida por Frei Ronan Pereira Lima, que assumiu o posto anunciando mudanças e a construção das novas alas do hospital. Entretanto, a crise no Hospital avançou ainda mais e, em março de 2012, cercado por graves denúncias de irregularidades administrativas, especialmente envolvendo questões financeiras, Frei Ronan se afastou do cargo deixando um rombo de R$ 84 milhões.

Em julho do ano passado, diante do avanço da crise no HSJD, o Ministério Público Estadual solicitou ao SUS que fosse feita uma auditoria no Hospital São João de Deus. A investigação, sob o comando do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, foi iniciada em julho do ano passado e o relatório final veio ao conhecimento da população há 30 dias.

IRREGULARIDADES - As primeiras constatações de irregularidades graves já aprecem logo na página 4, do relatório da auditoria, que registra utilização indevida de conta bancária na Caixa Econômica Federal, que era usada para movimentação de cheques sem fundos, como se fossem dinheiro em espécie, o que garantia saldo fictício na conta do Hospital. O recebimento de cheques caução pelo hospital foi suspenso em março de 2102,  após assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o MP e a Fundação Geraldo Correa. Segundo a auditoria, o saldo fictício do Hospital São João de Deus, em março de 2012 era de R$ 189.970, 65. Na conta havia o registro de saldo, mas não havia dinheiro.

De acordo com a investigação, em  2005 o hospital contratou a empresa  MV, especializada em software e consultoria em gestão para a área da saúde. Gravíssimas a constatação de que, após a implantação do sistema MV, o hospital não mais possuía controle efetivo de seu caixa, devido ao fato de o sistema de software, implantado pela MV, ter sido instalado de maneira inadequada “sendo que os treinamentos [de pessoa] para a área se deram somente n o ano da implantação, não havendo reciclagem nos períodos posteriores”.

Ainda conforme o relatório da auditoria, o Hospital vinha efetuando pagamentos com cheques preenchidos por sistema informatizado de forma incompleta, deixando de nominar o beneficiário, o que era feito posteriormente. A alegação do Hospital é que essa situação ocorreu em decorrência de problemas técnicos ocorridos na impressora de cheques. Constatou-se, ainda, que era prática da instituição adiantar pagamentos a fornecedores por longos períodos, sem a devida compensação e ajuste, permitindo que o saldo contábil não registrasse corretamente a realidade financeira. Segundo a auditoria, esse procedimento abre brechas para fraudes e desvios.

O levantamento feito pelo Sistema de Auditoria do SUS constatou, ainda que em 2010 foi realizada uma auditoria independente, aprovado parcialmente. Contudo, no relatório da auditoria, não foi encontrada a aprovação das contas do hospital, em razão da ausência dos controles internos. Havia, ainda, benefícios para terceiros com a desatualização de contratos com prestadores de serviços, pessoa jurídica. Segundo a auditoria do SUS, “os contratos celebrados entre a entidade hospitalar e terceiros não têm guardado conformidade com o princípio do equilíbrio econômico, uma vez que permite que profissionais e empresas se beneficiem dos resultados operacionais sem investimentos”. Principais beneficiados desta irregularidade eram empresas médicas, que prestavam e continuam prestando serviços ao hospital.

NEPOTISMO - Mais grave ainda, foi a constatação de que o hospital mantém prestadores de serviços médico hospitalar, tanto pessoa física quanto jurídica, sem a assinatura de nenhum contrato. Foram constatados diversos pagamentos a prestadores de serviços que não possuíam contrato dom a instituição, ferindo vários dispositivos legais. O Hospital tentou justificar esta situação, porém os auditores não aceitaram a justificativa, alegando que “as entidades filantrópicas sem fins lucrativos gozam de imunidades e isenções tributárias, ficando obrigadas a serem transparentes e prestarem contas de seus serviços”.

O Hospital mantinha contrato verbal com diversos profissionais. Um dos beneficiados era Alair Rodrigues Júnior e esposa, filho do então diretor técnico Alair Rodrigues de Araújo. O contrato verbal garantia a prestação de sérvios na área de oftalmologia. Também a filha de Alair Rodrigues de Araújo, cujo nome é omitido no relatório, mantinha contato verbal com o Hospital para a prestação de serviços de oncologia.

Outra irregularidade apontada pelo relatório está na contratação das empresas NEFROMED e Clínica de Oncologia Divinópolis. Segundo o relatório “todo o material, equipamentos e recursos humanos disponibilizados para a consecução do contrato, é de propriedade do Hospital”. Isso significa que as empresas contratadas tinham seus custos drasticamente reduzidos, utilizando equipamentos que deveriam estar disponíveis a outras pacientes do SUS, e ainda recebiam o pagamento estipulado pelos contratos.

Também constatou-se que a empresa L+M Arquitetura foi contratada para gerenciar a obra de construção do hospital, sem a utilização da licitação para obter a melhor proposta. “Contratação foi feita por escolha pessoal da direção da entidade, que pagou R$ 24.423.800,89 pelo serviço”. Em um segundo contrato, também com a L+M Arquitetura sem o devido processo licitatório, a empresa recebeu R$ 17.262.593,87, totalizando R$ 41.686.394,77 (quarenta e um milhões, seiscentos e oitenta e seis mil, trezentos e noventa e quatro reais e setenta e sete centavos).

A construção da nova ala do hospital veio acompanhada de irregularidades. Segundo a auditoria, o Hospital contraiu empréstimo de R$ 40 milhões financiar a obra, comprometendo as receitas do SUS e agravando a situação operacional, elevando índice de endividamento em 335% em 2010. Segundo o relatório do SUS, o empréstimo foi contraído sem planejamento priorizando o investimento em detrimento do custeio.

A lista de irregularidades é grande. O relatório da auditoria do SUS tem 31 páginas e constata gravíssimas falhas no atendimento aos pacientes, como falta de plantonista em setores vitais, como oncologia, e constatou que não havia controle formal para a presença dos plantonistas do hospital, ou seja, não havia controle no cumprimento das escalas de plantão. Além das falhas administrativas, a auditoria constatou as muitas reclamações já conhecidas da população, como falhas graves no atendimento, superlotação em alguns setores, falta de leitos etc. 

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